Ela é advogada, escritora e artista plástica. Dotada de muita simpatia e elegância, conta que a vocação para as artes existe desde que se entende por gente. Apesar disso, faz do Direito a sua ferramenta para exercício da cidadania e compreensão do mundo que a cerca. Com duas áreas tão distintas, Maria do Céu rege uma perfeita sintonia para ser advogada e também escritora. Foi com essa habilidade que ela escreveu para a Antologia Multifacetadas, coordenada pela Editora Comunicação. Em entrevista à nossa equipe, expôs suas ideias sobre o Feminismo (tema abordado na antologia), o mercado editorial brasileiro e a sua inserção no mesmo, enquanto escritora e artista. Confira!
Sendo bacharel em Direito pela PUC, o que te levou a se dedicar às Letras?
Foi uma vocação tardiamente manifestada. De repente não conseguia dormir. As poesias vinham-me à cabeça e não me davam sossego enquanto não fossem escritas. A verdade é que o direito foi uma formação muito mais que uma vocação. Já a escrita era uma compulsão que se fez presente um dia e não parou mais.
Você tem dois livros publicados. Passou por dificuldades na hora de editá-los? Se fosse citar os maiores obstáculos pelos quais os escritores passam antes de publicar os livros, quais seriam eles?
Sim. Passei por diversos obstáculos. No primeiro livro, a primeira dificuldade foi a intensidade com que veio à tona O MEMÓRIAS AGRIDOCES DO EXÍLIO. Por ser uma autobiografia e falar do meu desterro, foi bastante sofrido. Mexia em memórias dolorosas e muita saudade. Também memórias que tinham sido bloqueadas. Mas era preciso escrever sobre isso e ele nasceu. Claro, depois, passei por todas as dificuldades pelas quais passa uma autora de primeira viagem e desconhecida. O livro teve de ser uma produção independente e tudo saiu totalmente do meu bolso. Fiz uma parceria com uma boa amiga para as ilustrações. Anna já trabalhava com o tema da perda do paraíso e a sua arte complementava a minha escrita. Achar um bom revisor, um bom diagramador, em quem confiar também é bem complicado. Mas por fim, consegui o que precisava numa parceria com outras duas mulheres. Terminei o que havia começado.
O segundo livro foi também difícil, mas eu estava mais segura do que queria. Muitos dos meus leitores me perguntavam se eu só fazia poesia. Então quis fazer algo diferente. Também teria de falar de sentimentos, mas desta vez eu queria escrever algo leve e divertido, deixar escritas as experiências de avó com meus netos, provar que crianças não são tão desligadas das questões existenciais quanto parece. Meus netos desde cedo já mostravam muita personalidade e a maneira como foram estabelecendo seus valores também era única. Fiquei fascinada com isso. Escrevi A GUERRA DO TALCO E OUTRAS CRÔNICAS – histórias de avós e netos para não perder a meninice, em homenagem a eles e aos meus avós, cuja memória eu queria preservar. Desta vez chamei outro artista: o Marco Matos, chargista com um traço muito humorístico.
Se fosse citar as maiores dificuldades pelas quais passa um escritor iniciante eu diria: ter um amigo literato que lhe dê opiniões sinceras e em quem você confie. Portanto, um crítico amigo. Ter um bom revisor que possa também dar-lhe algumas dicas importantes. Todos temos vícios e é importante termos alguém que nos aponte esses erros para os corrigirmos. Depois conseguir uma boa editora que se preste não só a fazer o serviço de publicação, mas que você possa contar com um trabalho minucioso, pois o mais aborrecido nesta fase é percebermos erros como palavras divididas, vírgulas fora de lugar, coisas óbvias de uma diagramação errada ou menos profissional. Isso acontece bastante em editoras novas que prestam serviços por demanda. Porém, existem algumas que são bastante perfeccionistas e zelosas de sua função. Passamos para a fase seguinte, o mais preocupante para um escritor que é, em minha opinião, administrar sua carreira. Entrar no mercado é muito difícil. Concorrer com títulos de mega editoras internacionais que têm dinheiro para pagar aluguel de vitrines e tempo de televisão para apresentar seus produtos: é uma luta contra gigantes. Não fosse o amor pela arte de escrever, desistiríamos logo. Então, vamos comendo pelas beiradas, como se diz, publicando de nosso bolso, dando palestras em escolas, participando dos movimentos artísticos de poetas em nossas cidades, fazendo sessões de autógrafos aqui e ali… Lutando para defender a nossa arte, o nosso oficio… E escrevendo. Escrevendo muito… Reescrevendo… Aprendendo mais e mais…
Você também é artista plástica. Em qual momento de sua vida, decidiu pintar?
A pintura e o desenho já foram habilidades que eu demonstrava desde a infância, porém não foram reconhecidas como tal. Provavelmente meus pais temiam que eu, como artista, viesse a passar fome. Mal sabem eles que mesmo assim eu teria pintado a fome, escrito sobre a fome, porque quando você nasce para fazer uma coisa, não há o que evitar. É como uma compulsão. Enquanto criava meus filhos, fiquei ausente das Artes. O dinheiro não dava para tudo. Em 1997, me integrei a AAPVI (associação dos artistas plásticos e visuais de Indaiatuba) e redigi seu estatuto. Foi aí que voltei à pintura. Voltei a estudar artes, imagem e pesquisa fotográfica. Eu estava entre os meus iguais, a minha tribo. Inclusive cerâmica.
Resumidamente, cite a importância de ter a matéria de artes na educação brasileira.
É preciso incentivar e desenvolver todas as formas de expressão. Expressão das emoções, dos sentimentos e do conhecimento humanos. Expressão e comunicação bem desenvolvidas e ricas fomentam a cidadania, a negociação e resolução de conflitos, previnem a violência e curam o individuo. Eu acredito que a arte é necessária também enquanto mensagem de empatia e identificação. Quanto mais e melhor soubermos nos expressar, maior será a chance de termos uma sociedade pacífica.
Mas a arte é também uma forma muito importante de realização para o indivíduo. Uma opção profissional. Os brasileiros têm em si uma grande aptidão para a música e a dança. A multiculturalidade também aponta um caminho às artes plásticas, visuais e ao teatro. Essa mistura de elementos culturais fermenta e aumenta a criatividade de um povo. Temos uma vocação natural para as artes. E, depois de tudo isso, arte também é um produto. Seja de entretenimento, seja de estudo, de decoração, de investimento e por aí vai… No futuro, talvez a arte substitua a era da informação. Livres de pesadas tarefas, se conseguirmos aí chegar, pelo menos a maioria de nós humanos no mundo, é provável que nos dediquemos unicamente à criação, ao conhecimento e ao entretenimento.
A antologia Multifacetadas quer relembrar as conquistas da mulher até aqui. Como bacharel em Direito, você acredita que o movimento feminista é bem solidificado ou muita coisa ainda precisa ser acertada para quebrarem o machismo enraizado na cultura, presente em pequenas situações cotidianas?
Sim. O movimento feminista está solidificado. Mas não sem efeitos colaterais para as mulheres.
Como advogada, percebi que o problema não são nossas leis. Nossas leis evoluíram bastante e temos boas leis no Brasil. Contudo, a lei que configura um crime não muda a sociedade. Ela pode infligir uma pena a quem o praticou, mas dificilmente muda a cultura, obriga a adoção de novos valores e de uma nova visão de papeis. Infelizmente temos muito ainda a caminhar.
A educação precária mina toda a estrutura social. Apesar disso, as mulheres hoje estudam mais que os homens. Nas faculdades e universidades quase sempre vemos mais alunas que alunos nos bancos. As mulheres conquistaram lugares de liderança na sociedade. Dentro das corporações e unidades de negócio suas competências são reconhecidas, mas seu papel não é muito bem entendido dependendo do nível de aculturamento do grupo onde está inserida.
Os mais cultos compreendem perfeitamente que a mulher assumiu outros papeis e aceita essas mudanças.
Já nos grupos de pessoas menos estudadas, vive-se numa sociedade machista que continua machista. Muitas vezes a independência e autodeterminação femininas são mal entendidas, a retórica e as ações são outras. Ali impera o machismo e enquanto a educação continuar de baixa qualidade, os homens desistirem de seus estudos mais cedo que as mulheres, não vejo grandes mudanças comportamentais. A insegurança desses machos que se sentem fragilizados, diante de uma mulher emancipada, acirra o desejo de domínio deles, gera competição e um preconceito maldoso voraz. Entre esses, uma mulher vencedora ainda é mal falada. “Se chegou à diretoria é porque dormiu com fulano”, “se foi promovida e teve aumento, é porque é amante de beltrano.”
O que temos assistido nas classes menos instrumentalizadas são os relacionamentos desequilibrados. O homem fica ciumento, sente-se incapaz de manter o interesse de sua companheira e acaba despejando sobre ela, que é mais poderosa que ele, toda a sua frustração. Por vezes, isso acaba no assassinato dessa mulher, senão num divórcio raivoso gerando muitas contendas.
Mas há esperanças. Já existe uma boa quantidade de homens que aceitam a mulher como um ser igualitário, respeitando sua autoridade quando líder e como companheira ombro a ombro, tudo sem maiores complicações ou traumas.